quarta-feira, 6 de abril de 2011

Cultura da cana de açúcar ameaça sítios arqueológicos em General Salgado! e Região!

Professor Tadeu Arruda analisando ossada
  Um tesouro guardado há cerca de 90 milhões de anos corre o risco de desaparecer nas terras de General Salgado, a 110 quilômetros de Rio Preto. O aumento das plantações de cana-de-açúcar ameaça os sítios paleontológicos da região, onde foram encontrados esqueletos de crocodilos pré-históricos a partir do início da década de 1990 e, recentemente, uma costela e dentes de dinossauros. 

As plantações de cana-de-açúcar em 21 municípios da região de General Salgado cresceram 11 vezes nos últimos 19 anos, desde a descoberta do primeiro fóssil. No período, a área destinada à monocultura saltou de 15 mil para 164 mil hectares. A situação preocupa pesquisadores, que se dizem cansados de pedir apoio ao governo local por não terem nenhuma garantia da preservação das áreas, localizadas em propriedades rurais particulares, de onde foram retirados os fósseis.

Problemas

Em algumas situações, a plantação de cana está a menos de 50 metros dos cemitérios de fóssil, o que impede a descoberta de novas rochas, segundo os estudiosos. “Tem lugar que a rocha está só a 30, 40 centímetros debaixo da terra. Se o fóssil estiver na superfície, pode ser destruído por uma grade que prepara o solo para a plantação, por exemplo”, afirma o professor aposentado João Tadeu Arruda, que acompanhou todas as descobertas na região.

Os outros problemas seriam o transporte da cana e as erosões. “Os veículos que circulam entre as plantações são pesados e também podem prejudicar os esqueletos. E por último tem as erosões. Mesmo que a área seja bem preparada para o cultivo, sempre ocorre o desvio do trajeto da água das chuvas, o que pode provocar erosões nos jazigos.”

Para o pesquisador Kleber Varnier, falta apoio da prefeitura aos trabalhos. “Infelizmente, a exploração de fósseis de milhões de anos, com toda sua importância científica, não dá lucro para ninguém. Já a usina, que gera receitas e empregos, tem todo o amparo dos políticos. É esse pensamento que cria obstáculos e ameaça nossos estudos”, diz o paleontólogo. O diretor da usina Generalco, João Arantes, foi procurado pelo Diário para comentar o assunto, mas não foi encontrado.

Reconhecimento

Um dos seis sítios paleontológicos catalogados na região foi reconhecido no final de 2009 pela Comissão Brasileira dos Sítios Geológicos e Paleobiológicos (Sigep), instituição ligada ao Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM). Trata-se de uma área em Prudêncio e Moraes, distrito de General Salgado, onde foram descobertos os primeiros fósseis. Outros três sítios também estão localizados no município, sendo dois no distrito de São Luiz de Japiúba. Os dois terrenos restantes ficam em cidades vizinhas, Auriflama e São João de Iracema.

O projeto do reconhecimento foi aprovado por oito dos órgãos que representam a Sigep, entre eles a Sociedade Brasileira de Paleontologia, o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) e a Petrobras. Para o professor Ismar de Souza Carvalho, do Departamento de Geologia da Universidade Federal do Rio Janeiro (UFRJ), responsável pela elaboração do projeto, o reconhecimento pode trazer melhores condições aos pesquisadores. “Agora, ações para captação de recursos visando à amplificação de sua relevância se tornam mais fáceis de serem aprovadas.” O reconhecimento, no entanto, não significa preservação garantida. Para isso, segundo Carvalho, é necessário a criação de um projeto na própria cidade.

Prefeitura tem interesse, diz gestor

A reportagem do Diário procurou o prefeito de General Salgado, Mauro Gilberto Fantini, na sexta-feira. Na prefeitura, a informação fornecida pela secretária dele, que se identificou como Carina, era de que o prefeito estava em Iturama (MG) e só retornaria amanhã. Fantini também não atendeu as ligações em seu celular.

Segundo o gestor ambiental da prefeitura, Márcio Castilho, a prefeitura tem, sim, intenção de auxiliar os estudos dos fósseis. “No ano passado o prefeito discutiu o projeto de um museu, que guardaria os materiais retirados dos sítios”, disse. Outra ação estudada pelo governo municipal, de acordo com o funcionário, seria a compra ou o aluguel (arrendamento) dos cerca de 20 hectares de onde os fósseis foram retirados.

“Seria muito importante para a preservação dos sítios, mas a prefeitura ainda precisa arranjar parceiros na iniciativa privada para isso. O investimento seria alto.” As boas intenções da prefeitura, todavia, não convencem o pesquisador João Tadeu Arruda. “Desde a descoberta dos fósseis, há quase 20 anos, já tivemos quatro prefeitos. Conversei pessoalmente com cada um deles várias vezes. Tentei convencê-los de que essas terras são iguais a um ‘cofre’ que guarda uma riqueza sem tamanho, mas ninguém me ouviu. Só ficou mesmo nas conversas, no blábláblá.”

Usina

O diretor da usina Generalco, João Arantes, também foi procurado pelo Diário para comentar o assunto. No entanto, ele não foi localizado na empresa nem na unidade do grupo em Araçatuba.

Museu e laboratório estão só no papel

Pelo menos no papel, General Salgado já tem um laboratório e um museu destinados aos estudos e à divulgação da paleontologia. O projeto, elaborado pelos pesquisadores Kleber Varnier, de Rio Preto, e Thiago da Silva Marinho, da Universidade Federal do Rio Janeiro (UFRJ), com ajuda de uma empresa americana, prevê investimentos de R$ 440 mil. O documento sugere a construção de um imóvel na cidade, onde seria realizada a preparação e a documentação dos fósseis, além de abrigar pesquisadores de outros municípios durante as expedições. Materiais hoje guardados em museus e universidades de todo o País seriam trazidos de volta a General Salgado para a montagem de uma exposição permanente.

“A ideia seria envolver a população local nas pesquisas. Explicar aos moradores a importância da preservação desse material, que é valiosíssimo. Muita gente na cidade nunca viu um fóssil”, afirma Varnier. O projeto, de acordo com o pesquisador rio-pretense, já foi aprovado em uma primeira avaliação pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp). No entanto, para liberação dos recursos seria necessária a criação de uma nova secretaria na prefeitura, o que não foi feito.

“Em reuniões com o prefeito, até nos foi sugerido alguns locais para instalação do museu. Mas depois não aconteceu mais nada.” Se o museu for montado, Varnier diz que já tem um grande material para exposição. “Nos últimos cinco anos documentei mais de 30 expedições aos jazigos. Tenho mais de dez mil fotos e quatro mil horas de filmagens.” Entre locação de equipamentos, viagens e gastos com a empresa de consultoria, o pesquisador diz ter investido cerca de R$ 50 mil do próprio bolso no projeto.
O pesquisador Kleber Varnier com ossada de um Baurusuchus
sítio paleontológico de Auriflama, município vizinho a General Salgado, trouxe novo fôlego às pesquisas na região. Os materiais, encontrados por um grupo de pesquisadores da Fundação Educacional de Fernandópolis (FEF), pertencem a titanossauros e terópodes. Até então, só se sabia que a área preservava esqueletos de crocodilos pré-históricos. 

Do titanossauro foram encontrados fragmentos de fósseis e uma costela de 1,2 metro. Apesar do tamanho relativamente grande, o osso corresponde a uma das menores costelas do animal, que podia alcançar 12 metros de comprimento, 6 metros de altura e pesar 15 toneladas. Herbívoro, o titanossauro é reconhecido como um dos maiores dinossauros que viveram no Brasil. 

O fóssil, guardado na faculdade de Fernandópolis, é estudado por pesquisadores da região, da Universidade de Brasília (UnB) e da Universidade de Bristol, na Inglaterra. O professor de geologia e biologia Carlos Eduardo de Oliveira, da FEF, afirma que buscará recursos junto a órgãos de incentivo à ciência, como a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), para encontrar outros ossos do animal. 

“Nosso objetivo é encontrar todo o esqueleto, analisar o material e fazer uma publicação em revista científica. É um trabalho difícil, pois nem todos os ossos podem estar tão bem conservados como a coluna que retiramos.” Além da costela do herbívoro, os pesquisadores também localizaram no sítio de Auriflama dentes de um carnívoro da família terópode, a mesma do tiranossauro. No entanto, os dentes pertenciam a um animal de pequeno porte, com cerca de um metro de altura. 

Para a bióloga Ariane Gabas Martins, que também participou da descoberta da coluna de titanossauro, a falta de incentivo atrapalha os estudos. “O que nos move é a curiosidade, a vontade de aprender mais. Tudo o que gastamos sai do nosso bolso. Se tivéssemos mais apoio dos órgãos do governo, poderíamos encontrar vários outros fósseis de dinossauro.” 

A notícia da descoberta de fósseis de dinossauros em Auriflama não surpreendeu o pesquisador Antonio Celso de Arruda Campos, diretor do Museu de Paleontologia de Monte Alto, cidade na região de Ribeirão Preto. Segundo Arruda, a Bacia Bauru, que abrange os Estados de São Paulo, Minas Gerais, Mato Grosso do Sul, Goiás e região nordeste do Paraguai, é privilegiada. “Muitos dinossauros viveram na região. Infelizmente nossos estudos ainda estão muito atrasados pela falta de apoio às iniciativas científicas.” 

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